Constituído por três partes, das quais as duas primeiras há muito reveladas, o Segredo de Fátima é formado por revelações feitas por Nossa Senhora aos três Pastorinhos, em julho de 1917, sobre as quais lhes pediu reserva, indicando que não fossem transmitidas a ninguém. «Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo», foi a instrução dada, segundo Lúcia. Recorde-se que os três Pastorinhos percecionavam o conteúdo das Aparições de maneira diferente: apenas Lúcia interagia, vendo, ouvindo e falando; Jacinta via e ouvia, mas não falava, enquanto Francisco apenas via. Daí a autorização para que se contasse a Francisco. E o Segredo foi guardado, apesar das numerosas pressões e ameaças. Lúcia acedeu a escrever sobre as Aparições, mas manteve reservado o conteúdo do Segredo, só o passando ao papel depois, de – explicou – ter recebido autorização «do Céu», na sua expressão.
O segredo e as especulaçõesO facto de se tratar de “segredo” alimentou durante gerações a ideia de que o conteúdo das revelações, sobretudo a terceira parte, se referia a algo relacionado com o fim do mundo, por entre mitos de que os Papas teriam querido manter o documento em segredo por causa das suas “terríveis revelações”. Nada mais afastado da realidade, como escreveu o então cardeal Joseph Ratzinger, na altura Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e hoje Papa emérito Bento XVI, no comentário teológico à Mensagem de Fátima: «Quem estava à espera de impressionantes revelações apocalípticas sobre o fim do mundo ou sobre o futuro desenrolar da história deve ficar desiludido. Fátima não oferece tais satisfações à nossa curiosidade, como, aliás, a fé cristã em geral, que não pretende nem pode ser alimento para a nossa curiosidade». «O que permanece — dissemo-lo logo ao início das nossas reflexões sobre o texto do “segredo” — é a exortação à oração como caminho para a “salvação das almas”, e no mesmo sentido o apelo à penitência e à conversão», acentua ainda. A terceira parte e última parte do Segredo de Fátima foi revelada a 13 de maio de 2000 pelo cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado do Vaticano, a pedido de João Paulo II, durante as cerimónias de beatificação de Francisco e Jacinta Marto, em Fátima. Primeira parte A primeira parte do Segredo de Fátima refere-se à visão do inferno que foi proporcionada, num «instante terrível», aos três Pastorinhos. «Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em esse fogo, os demónios e as almas, como se fossem transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gemidos e gritos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. (…) Esta vista foi um momento, e graças à nossa boa Mãe do Céu, que antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar para o Céu (na primeira aparição)! Se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor», escreveu Lúcia na sua Terceira Memória (1941). Segunda parte A segunda parte consta da devoção e da consagração ao Imaculado Coração de Maria (a que se associa a comunhão reparadora nos primeiros sábados), com a concreta referência à consagração da Rússia, como meio de evitar uma nova guerra, ainda pior que a que então grassava na Europa (Primeira Grande Guerra, 1914-1918). «Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem aos meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz», revela Lúcia, na mesma Memória. Terceira parte A terceira e última parte apresenta a visão que os Pastorinhos tiveram da Igreja peregrina e mártir: um cortejo de sacerdotes, religiosos e bispos, com o Papa à frente, a subir uma montanha, atravessando uma cidade meio em ruínas e pejada de cadáveres, vindo a sucumbir, no alto do monte, aos pés de uma cruz, morto por tiros e setas disparados por soldados (cf. Quarta Memória, 1944). «E vimos n'uma luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se veem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições (…)», segundo o relato na mesma Memória. Em conversa em abril de 2000 no Carmelo de Coimbra com o cardeal Tarcisio Bertone, então Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, a Irmã Lúcia concordou que a terceira parte do Segredo consiste numa visão profética, sobretudo sobre a luta do comunismo ateu contra a Igreja e os cristãos, na qual se descreve o sofrimento das vítimas da fé no século XX. «É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte», sublinha o cardeal Angelo Sodano, Secretário de Estado do Vaticano, ao anunciar em Fátima a terceira parte do Segredo, em 13 de maio de 2000. Confirma também a interpretação de que o «bispo vestido de branco» é o Papa e concorda com a leitura de João Paulo II, que, à luz do texto da terceira parte do Segredo e na sequência do atentado de 13 de maio de 1981, em Roma, atribuiu a «uma mão materna» o facto de a trajetória da bala ter sido guiada de modo a permitir que «o Papa agonizante» se detivesse «no limiar da morte». No comentário teológico, o então cardeal Joseph Ratzinger sublinha que a palavra-chave desta terceira parte do Segredo é o tríplice grito do anjo com a espada de fogo na mão esquerda: «Penitência, penitência, penitência!». Ou seja, o apelo ao arrependimento e à conversão, na certeza de que o bem triunfará sobre o mal, como escreve: «a visão da terceira parte do “segredo”, tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança: nenhum sofrimento é vão, e precisamente uma Igreja sofredora, uma Igreja dos mártires torna-se sinal indicador para o homem na sua busca de Deus». «Do sofrimento das testemunhas deriva uma força de purificação e renovamento, porque é a atualização do próprio sofrimento de Cristo e transmite ao tempo presente a sua eficácia salvífica», assinala. Por isso, recorda a promessa deixada por Cristo no Evangelho de João: «No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo» (Jo 16,33). «A mensagem de Fátima convida a confiar nesta promessa», conclui. |